Nos Estados Unidos, o aborto é legal desde 1973, e o movimento auto-intitulado “pró-vida” tenta reverter essa decisão desde então. As ações mais recentes desses conservadores anti-aborto têm visado dificultar o acesso das mulheres às clínicas de aborto legal, através protestos às vezes violentos na porta de clínicas e até mesmo ameaças de morte aos médicos que realizam a prática, até mesmo a eliminação de clínicas de aborto legal através de diversas estratégias para torná-las inviáveis financeiramente e fazer com que fechem as portas.
A mais nova estratégia dos conservadores para fazer as clínicas fecharem é pressionar os Estados para passar leis que exigem que para continuar oferecendo aborto, as clínicas tenham que ter status de hospital, um requerimento exagerado visto que essas mesmas clínicas operam há décadas oferecendo abortos seguros para mulheres, o que faz com que sejam necessários investimentos massivos em infraestrutura e licenças, que muitas clínicas não têm recursos para fazer, o que está obrigando muitas a fechar ou parar de oferecer o procedimento. Muitas dessas clínicas também oferecem outros serviços relacionados à saúde da mulher, como prevenção a câncer de mama e útero.
Primeiro é preciso entender também como são essas clínica. São locais que poderiam ser comparados a consultórios particulares de médicos, não tem o mesmo aparato que hospitais ou centros médicos, mas fazem um atendimento adequado. O aborto legalizado nos Estados Unidos é feito com o uso de comprimidos até a 12ª semana, onde a mulher faz o procedimento em casa, e tem um auxílio por telefone ou vídeo-conferência por um médico dessas clínicas. Após as 12 semanas, é feito um procedimento cirúrgico mínimo, onde também não é necessário grandes aparelhagens, mas há necessidade de médicos acompanhando.
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No ano de 2013, 87 clínicas de aborto foram fechadas, a grande maioria por causa dessas leis restritivas. Comparando com o ano anterior é uma queda de 12%.
O mapa abaixo mostra a quantidade de clínicas que foram fechadas desde que essas leis começaram a passar nos Estados:
A Associação Médica e a Associação de Ginecologistas o Obstetras dos EUA foram contra essas leis, dizendo que não há necessidade de hospitais para a realização do aborto, que as clínicas conseguem atender com segurança as mulheres que as procuram, o que mostra que essas leis não têm como motivação a segurança das mulheres, e sim dificultar o acesso a aborto legal e seguro.
Se as associações médicas não apoiam esse tipo de legislação, então quem apoia? Os religiosos. A atuação dos religiosos tem sido forte, e eles estão comemorando a diminuição do número de clínicas como vítoria para os “pró-vida”.
A estratégia dos conservadores é dificultar o máximo possível o acesso das mulheres ao aborto, de modo que não mais importe se o aborto é legalizado ou não. O poder de uma bancada religiosa e conservadora é tão forte que tem conseguido apagar, além das vozes das feministas, as próprias recomendações das associações médicas. O obscurantismo religioso novamente impede um avanço na luta por direitos básicos da mulher e sua saúde: em 2012 -2013 houve mais retrocessos dos direitos reprodutivos das mulheres que em toda a década anterior.
No dia 8 de Julho de 2013 saiu a notícia que cerca de 150 mulheres presas no estado da Califórnia foram esterilizadas sem consentimento entre os anos de 2005 a 2011. O procedimento teria de passar pela autorização da paciente, junto a uma testemunha e depois autorização médica em todos os estágios, mas não foi isso que aconteceu. As mulheres eram forçadas a aceitar a esterilização através de coerção moral a fazer a cirurgia. Uma das presas disse aos investigadores que, assim que o médico James Heinrich descobriu que ela era mãe de 6 filhos, ele começou a forçá-la a fazer o procedimento. O médico alegou que suas cirurgias ilegais salvaram ao governo uma enorme quantia de dinheiro pois suas pacientes involuntárias estavam mais propensas a ter “crianças não planejadas a partir do momento em que elas procriariam mais”. Essa mentalidade é inclusive endossada pelo Centro de Saúde Prisional da Califórnia, que sabia da existência das esterilizações.
Mas a briga contra as mulheres se adentra em todas as direções, no dia 26 de Junho de 2014 a Suprema Corte americana derrubou uma lei que impedia protestos na frente de clínicas de aborto. Tal lei foi aprovada para garantir a segurança das mulheres, que frequentariam as clínicas de assédios de conservadores anti-aborto, e protestos mais agressivos contra esses locais. A lei caiu por unanimidade de 9 juízes, todos homens. O governo de Obama apoiava a lei e lamentou a decisão da Suprema Corte. Logo após ser revogada grupos “pró-vida” fizeram seus protestos e assediaram mulheres que entravam nas clínicas . Diante da gravidade dessa revogação tem de ser trazida à lembrança dos americanos, pois no ano de 1993 durante um protesto contra o aborto em frente a uma clínica um médico que trabalhava nela foi morto à tiros. Era também comum clínicas serem atacadas e vandalizadas por religioso e conservadores, além de protestos frequentes na frente das casas particulares dos médicos e donos das clínicas. Desde 1977 foram 11 mortes e mais de 200 ataques com bombas aos centros de abortos de acordo com a National Abortion Foundation. Os extremistas anti-aborto chegaram a conclusão de que assassinar os trabalhadores dessas clínicas é a única maneira de para o aborto.
Em 2015 o ataque contra o aborto e as mulheres foi agressivo, quase 400 leis anti-aborto foram colocadas para votação em todos os estados do país! Entre as leis, querem que informações falsas sejam passadas para as mulheres, como a dor que o feto sentiria ao ser abortado, e que mulheres teriam problemas mentais após o procedimento.
Em Wisconsin e Virginia proibiram o aborto após 20 semanas, no Arkansas uma lei proibiu o auxílio por telefone e vídeo-conferência entre médicos e mulheres no uso do medicamento, essa lei afeta especialmente as mulheres das zonas rurais, na quais não teriam condições financeiras de ir até a cidade para ter o auxílio. E lembrando que o medicamento usado para o aborto é relativamente simples, não exige internação, apenas o uso de comprimidos e repouso. Mas as mulheres precisam saber como se usa esse medicamento para que ele tenha a sua eficácia. Outras leis incluem a necessidade de um médico que tenha privilégios em certos hospitais, dificultado mais ainda o acesso das mulheres aos procedimentos, e a restrição ao aborto para menores de 18 anos, que precisariam da permissão dos pais, e também de um aval judicial, onde se decidiria se a menina teria maturidade ou não para fazer um aborto!
No estado do Kansas passou uma lei onde deve ser dizer “criança não nascida” (unborn child ), ao invés de feto. Sabemos como a linguagem importa, e mentiras são usadas constantemente para manipular as emoções das mulheres que querem abortar, para que elas desistam. No Tenesse uma emenda na constituição estadual que diz que o estado não protege o direito ao aborto e nem financiaria as clínicas de aborto, no mesmo estado uma mulher que tentou induzir um aborto em sua banheiro na 24ª semana foi presa e enfrenta uma acusação de assassinato de primeiro grau. Há também leis que obrigam as clínicas a terem pelo menos 50 cirurgias de aborto por ano, assim como hospitais. Essa lei é feita para que as clínicas sejam enquadradas como hospitais e assim terem gastos maiores para se adequar e que leva à falência e fechamento de clínicas.
No final de Novembro de 2015 vimos mais um ataque à uma clínica de aborto legal, no estado do Colorado, onde um atirador entrou na clínica e abriu fogo, matando 3 e ferindo 9. O atirador é um homem, branco de 57 anos e se declarou culpado e que é um “guerreiro para [proteger] os bebês”. Esse ataque acirrou mais ainda o debate, os políticos conservadores, atiçados pelos movimento Tea Party, clamavam que as clínicas de planejamento familiar estariam vendendo os tecidos fetais e partes de “crianças”. Um grupo anti-aborto fez um vídeo que viralizou, onde “mostrava” que as clínicas lucravam ilegalmente as vendas. A ultima notícia é que 2 pessoas anti-aborto foram indiciadas pelos vídeos falsos, a acusação é alteração de dados do governo e manipulação de imagens. A clínica de planejamento familiar afetada pelos vídeos já entrou também com um processo contra os autores.
O ano de 2015 teve poucos ganhos para as mulheres estadunidenses, e restritas à questão de métodos contraceptivos apenas. Na opinião das feministas americanas 2016 pode ser ainda pior, com as eleições em vista e os candidatos dos partidos nas pré-eleições o assunto será mais ainda atacado.
Nesse momento tão difícil para as mulheres dos EUA, queremos lembrar novamente da Senadora Wendy Davis, que por 13 horas sem descanso falou sobre o aborto, e lutou para que não houvesse retrocesso no Texas. A força dessa mulher, e de todas que a ajudaram nesse processo, deve nos inspirar para que a nossa luta aqui no Brasil seja avançada e para que possamos apoiar a luta feminista dos EUA contra essa violação dos seus direitos reprodutivos. Lembrando que muitas de nossas leis e políticas são influências diretas dos acontecimentos nos Estados Unidos, principalmente dos conservadores. As leis anti-aborto brasileiras se inspiram nas leis americanas também.
Precisamos discutir os desdobramentos da política estadunidense por que o retrocesso dos direitos das mulheres é uma tendência mundial. Aborto é uma das poucas pautas que unifica o movimento feminista, e de extrema relevância para nós feministas radicais. A luta é por todas as mulheres.